*Por Myriam Andréa
"A desistência das companhias anglo-americanas Exxon e BP, de participarem do leilão do gigantesco campo petrolífero de Libra, é fruto de sérios problemas das duas empresas. Ambas são remanescentes do cartel que dominou o setor de combustíveis no mundo, durante quase todo... o século passado. Eram as chamadas sete irmãs, como as denominou Enrico Mattei, diretor da italiana Agip-ENI, em meados do século 20, ao protestar contra o bloqueio organizado pelo oligopólio, que impedia o acesso de outras empresas às reservas mundiais de petróleo.
As sete irmãs originais, que dominaram as reservas petrolíferas até a década de 1970, eram: a Royal Dutch Shell; a Anglo-Persian Oil Company, hoje BP; a Standard Oil of New Jersey, atualmente, ExxonMobil; Standard Oil of New York, que também faz parte da ExxonMobil, a Texaco; a Standard Oil of California; e a Gulf Oil, todas as últimas três incorporadas à Chevron. Assim, as sete irmãs tornaram-se apenas quatro: ExxonMobil, Chevron, Shell e BP.
No auge do seu poder, o cartel das sete empresas operava estreitamente afinado com os governos dos EUA e Reino Unido. A Shell participava do grupo, porque a empresa possuía importantes campos de petróleo nas colônias holandesas do Oceano Pacífico, principalmente na Indonésia e, também, em função da argúcia comercial dos holandeses, que integraram capitais britânicos no comando da empresa. O controle obtido pelas sete irmãs sobre as maiores reservas do mundo foi assegurado, desde o final do século 19 através de baionetas e canhoneiras. Para garantir o interesse de suas empresas britânicos e norte-americanos não hesitaram em invadir países, desestabilizar governos ou apoiar as tiranias mais reacionárias do mundo - como é o caso da família real saudita, a antiga monarquia iraniana e as os ditadores venezuelanos, entre muitos outros casos. Até os dias de hoje a política anglo-americana no oriente médio é orientada pelo controle das maiores reservas de hidrocarbonetos do mundo. A motivação real das duas guerras do Iraque foram os campos de petróleo, que voltaram a ser estritamente controlados por firmas norte-americanas.
Tendo surgido a partir dessa cultura empresarial armada, as sete irmãs nunca se adaptaram às regras de competição do mercado e isso fez com que a erupção da OPEP, na década de 1970, causasse grandes problemas para essas empresas. Todas as integrantes do cartel passaram a enfrentar dificuldades, o que as obrigou a passar por uma onda de fusões e incorporações. A Shell se manteve relativamente estável, as norte-americanas de concentraram em dois grupos (Exxon e Chevron) e a BP engoliu todas as companhias britânicas do setor energético. No entanto, o estilo de gestão das empresas originais, fortemente marcado por práticas de pirataria, ainda continua impregnada nas companhias sucessoras que ainda atuam: Exxon, BP e Chevron. Sinais da persistência dessas práticas irresponsáveis de operação – além do alinhamento com a política externa agressiva e militarizada anglo-americana nos países produtores – é o descaso com a questão ambiental. Dois dos maiores desastres ecológicos ocorridos no mundo foram provocados por companhias sucessoras das sete irmãs: o naufrágio do Exxon Valdez, que até hoje provoca graves danos à vida matinha no Alasca; e o vazamento de petróleo no Golfo do México, provocado por uma perfuração da BP, que durou várias semanas e causou danos irreparáveis no ambiente marinho.
A Shell é uma exceção, em parte devido à sagacidade comercial dos seus controladores holandeses. Mas, a companhia batava mudou, principalmente, em resposta a uma séria crise enfrentada pela empresa nas ultimas décadas do século passado. Na época, a companhia tentou se livrar de uma plataforma de perfuração obsoleta, que operava nos campos do Mar do Norte. A solução mais econômica para o descarte do equipamento era rebocar a plataforma até alto mar, onde ela seria submersa. No dia em que as equipes responsáveis pela remoção da plataforma chegaram a bordo de rebocadores, já havia uma frota de pequenas embarcações tripuladas por militantes do Greenpeace, determinados a impedir a operação. De acordo com os eco militantes, o naufrágio da estação petrolífera iria causar danos irreparáveis ao meio-ambiente oceânico. Para eles, a melhor solução deveria ser o envio do equipamento até a costa, para ser desmontado.
Teve início, então, uma verdadeira batalha entre os responsáveis pelo afundamento da estação de perfuração e os militantes. O Greenpeace teve o cuidado de anunciar a sua intenção à TV holandesa, que enviou um helicóptero ao local. Na mesma noite em que a batalha foi travada, as imagens da truculência cometida pelas equipes contratadas pela Shell chegaram aos programas jornalísticos de todo o mundo. No dia seguinte começou a ser organizado um boicote internacional aos produtos da empresa. Na Alemanha as vendas da companhia caíram quase 50%, índices semelhantes foram registrados na França, Holanda, Bélgica, Suíça, Suécia, Itália e vários outros países. Poucos meses depois o conselho de acionistas da Shell demitiu toda a alta direção da corporação. Uma nova direção foi indicada, tendo a missão de modernizar a governança corporativa da centenária companhia, com a adoção de um forte compromisso com a responsabilidade social.
As outras remanescentes das sete irmãs não passaram por um processo semelhante e continuam a manter uma cultura administrativa obsoleta, que não inclui a disposição de participar de concorrências segundo as regras do mercado. Elas não estão acostumadas a disputar, mas sim a conquistar à força, se necessário.
Porém, essas antigas corporações não têm mais a força econômica de outros tempos. A Exxon, que já foi a maior do mundo, hoje caiu para o 4º lugar. As maiores petrolíferas do mundo, segundo a revista Forbes, que considerou a produção diária de barris de óleo ou equivalente, são: Saudi Aramco, Gazprom (Rússia) e National Iranian Oil Company. Na 5ª posição vem a chinesa Petro-China, vindo a seguir BP, Shell, Pemex, Chevron e Kuwait Company. É importante observar, nessa lista, que as estatais estão em melhor posição estratégica do que as sucessoras das sete irmãs, porque atualmente são elas que controlam os campos de extração.
Impede ainda a participação das remanescentes anglo-americanas na disputa por campos em alto mar, a carência de tecnologia necessária para esse tipo de operação. Tal tecnologia é amplamente dominada pela Petrobrás, sendo a empresa brasileira uma das líderes mundiais nesse tipo de prospecção, com várias patentes registradas. Portanto, não é de todo descartada a possibilidade de que a espionagem, da qual foi vítima a Petrobrás, tenha sido uma tentativa de furtar a tecnologia de mar profundo, para repassá-la às empresas norte-americanas.
Ao final e ao cabo, as corporações anglo-americanas preferem manter suas apostas no petróleo do Oriente Médio, que quase jorra do solo desértico e é extraído com poços de fácil perfuração, ou nos campos do Golfo do México, que o governo neoliberal mexicano está vendendo a preços módicos. O Oriente Médio é uma zona de guerra, com forte presença militar norte-americana e o México preferiu comprometer sua riqueza, quase em troco de nada, diferente do que fizeram os seus antepassados Astecas – eles lutaram duramente contra os conquistadores espanhóis. Mas, a relação do México com os Estados Unidos é complicada, como gostam de dizer os mexicanos: o México teve a má sorte de existir muito longe do céu e muito perto dos Estados Unidos.
De qualquer forma, o que interessa é que são bem vindos os chineses, que trazem capital para financiar a tecnologia da brasileira de exploração em mar profundo. Essas são as regras do leilão e isso é bom para o país. As anglo-americanas que não têm tecnologia nem dinheiro suficiente disponível não teriam mesmo nada a contribuir."
Fonte: Perfil do Facebook de Myriam Andréa.
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