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quinta-feira, 21 de maio de 2009

LGBTT: Avanços e contradições nas relações com o governo federal



LGBTT: Avanços e contradições nas relações com o governo federal


Julian Rodrigues


Apesar de termos um governo federal friendly, o Brasil ainda não aprovou nenhuma lei federal que garanta direitos à LGBT



O movimento social, que luta pelos direitos da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), vive hoje uma situação contraditória, sobretudo no que diz respeito à relação política com o governo federal. É fato. Foi durante o governo Lula que demos um salto em termos de visibilidade, articulação institucional e abertura para construir uma agenda política de combate à homofobia e promoção da cidadania LGBT.



Neste governo, em 2004, foi lançado o Programa Brasil sem Homofobia, que, com todas suas limitações, cumpriu papel pioneiro ao incluir nossas demandas no âmbito do Executivo. Foi também neste governo que estabelecemos um diálogo permanente com todos os órgãos federais, para além da histórica parceria do movimento com o Ministério da Saúde/Programa Nacional DST/Aids.



A criação da Secretaria Especial de Direitos Humanos e suas diversas ações – concretizadas principalmente na gestão do ministro Paulo Vannuchi – mudaram o patamar de visibilidade e importância da questão LGBT no interior do governo. Inclusive, na orientação da política externa do país no Mercosul e na ONU. A realização da I Conferência Nacional LGBT, em junho de 2008, com a presença do presidente Lula é um marco político e simbólico. Uma importância singular em nossa história.



Concretizar ações, institucionalizar políticas – Entretanto, apesar de termos um governo federal friendly (a ponto de o presidente da República declarar claramente seu apoio à legalização da união estável entre homossexuais), o Brasil ainda não aprovou nenhuma lei federal que garanta direitos a LGBT.



Para ficarmos apenas no âmbito da América Latina, podemos computar vitórias em países como Uruguai, Argentina e Colômbia, que, em tese, têm organizações LGBT menos fortes e empoderadas do que as brasileiras. Por que, então, esse atraso aqui? Por que esse ranço que impede o Congresso Nacional de votar e aprovar a criminalização da homofobia e a união estável entre pessoas do mesmo sexo? Não é hora de cobrar uma posição mais firme do núcleo político do governo Lula, no sentido de priorizar nossa pauta e orientar firmemente a bancada governista a trabalhar para aprovar nossos projetos?



Estamos, hoje, em outro patamar. Já nos estruturamos nacionalmente, via Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (ABGLT), já fomos reconhecidos, já dialogamos com o Congresso Nacional, com o Judiciário e com o poder Executivo, em todos os níveis. Temos uma Frente Parlamentar, com mais de 200 deputados e senadores, que apóia nossas demandas.
Vida real



O governo federal realizou uma Conferência e deve lançar – em maio de 2009 – um Plano Nacional de Políticas de Combate à Homofobia e promoção dos direitos LGBT (embora, registre-se, sem a participação da sociedade civil, diferentemente do que houve no processo anterior, de construção da Conferência). Tudo isso é importante, mas a “vida real” é mais complexa.



Até hoje, não temos nenhuma estrutura organizativa no governo Lula que cuide especificamente da pauta LGBT. O Programa Brasil sem Homofobia funciona com menos de uma dezena de funcionários. Muitos deles cedidos, em situação instável, pela Caixa Econômica Federal. A criação de uma Subsecretaria LGBT nem está na pauta do governo. A mera instalação de uma Coordenadoria LGBT, na Secretaria de Direitos Humanos (bem como a criação de um Conselho especifico), ainda patina no Congresso Nacional. Ora, mas se tantas coisas são encaminhadas por meio de decretos, portarias, medidas provisórias, por que não também as políticas pró-gays? Falta vontade política?



O fato concreto é que não há orçamento, não há estrutura política, não há programas articulados, não há gestão unificada. Apesar da Conferência e da visibilidade que a agenda LGBT ganhou, ainda pouco andamos em termos reais nas ações, programas e espaços governamentais. Em 2010 está prevista a realização da II Conferência Nacional LGBT. Avaliaremos, lá, os avanços obtidos desde 2008. Mas, no ritmo em que anda o governo federal, é preciso dizer: quase nada novo haverá a apresentar.



Mas, como ativista do movimento social LGBT tenho muito claro que nosso papel é sempre o de fazer o “controle social” – e lutar para que as coisas aconteçam. Muita gente boa confunde o apoio político a um governo ou a um partido com alinhamento automático ou com a ausência de críticas.
Pelo contrário. O governo Lula é um governo de coalizão, no qual convivem setores progressistas e setores fisiológicos/conservadores. É preciso que os movimentos sociais e o campo de esquerda se mobilizem e pressionem o governo para que aconteçam as transformações. Isso acontece em várias áreas – e também na agenda dos direitos humanos e na pauta LGBT em particular.
Fingimentos



A melhor forma de “ajudar” o governo Lula não é fingir que tudo vai bem e colocar as críticas e insatisfações debaixo do tapete. Nada disso. Temos que parabenizar os acertos, mas, sobretudo, apontar as lacunas e a lentidão em implementar as políticas públicas. Temos que trabalhar para levar a agenda do movimento LGBT para o núcleo dirigente do governo.
Concretamente, é preciso cobrar um engajamento real do presidente, do seu gabinete e da liderança no parlamento na articulação da aprovação das leis que garantem nossos direitos. Além disso, é preciso exigir um órgão específico para efetivar as políticas pró-gay, com estrutura, com recursos orçamentários, com relevância na agenda e nas ações governamentais.



Caso contrário, chegaremos em 2010 com um quadro ainda mais paradoxal. Um presidente amigo, vários ministros apoiadores, um Plano Nacional, duas Conferências. Mas poucas políticas públicas institucionalizadas ou efetivamente implementadas. E pior, sem nenhuma estrutura governamental relevante cuidando do tema LGBT. Ou, principalmente, sem a inauguração de um marco legal que tire da marginalidade milhões de brasileiras e brasileiros com orientação sexual ou identidade de gênero diferente do considerado “normal”.


Ainda há tempo. Avançar na construção da cidadania LGBT pressupõe questionar imediatamente o governo e exigir novos passos. Muito foi feito. Mas isso é muito menos do que esperávamos e do que pode ainda ser realizado. Não votamos duas vezes em Lula para conquistar apenas avanços simbólicos ou pontuais. É hora de darmos um salto e exigirmos que discursos se transformem em ações.



Julian Rodrigues é ativista LGBT do Fórum Paulista LGBT e da ABGLT. É também coordenador do Setorial Nacional LGBT do PT.

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