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sexta-feira, 1 de maio de 2009

Secretária de Educação do Pará, Iracy Gallo, fala sobre Homofobia Escolar



Iracy Gallo assumiu a secretaria de Educação do Pará em janeiro do ano passado. Porém, o seu nome ganhou notoriedade nacional quando em abril de 2008 baixou a portaria nº 16/2008, que tornou legal o uso do nome social das travestis e transexuais no ato da matrícula escolar nos colégios públicos do Estado. A medida passou a valer em janeiro desse ano.
Iracy Gallo esteve presente na abertura do III Congresso da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis), onde foi ovacionada por todos, para discursar sobre a portaria e também para ser homenageada. A sua medida lhe rendeu o prêmio Direitos Humanos ABGLT.
Entre o discurso de abertura e o recebimento do troféu DH, a secretária concedeu entrevista exclusiva a reportagem do site A Capa. No bate papo ela relata que a ideia do projeto nasceu dentro do seu escritório. "Tem uma travesti que trabalha comigo e é a minha assessora direta desde 2001", conta Iracy.
A respeito da homofobia em universidade, ela é enfática ao dizer que a sociedade vive hoje no "limite da barbárie" e que é necessário repensar a escola. Sobre os materiais didáticos, ela dispara e diz que não é possível continuar com livros de conteúdo "sexistas".
De onde surgiu a ideia desse projeto?
Eu assumi a secretaria em janeiro de 2008 e ainda no mês de janeiro nós realizamos a primeira conferência estadual LGBT. Um dos eixos foi a inclusão e a diversidade. O encontro apontou uma série de diretrizes, metas e objetivos visando a inclusão e o respeito à diversidade das pessoas. A partir daí um dos estudos da secretaria foi: como pegar as diretrizes e traduzir isso na prática e efetivamente estabelecer uma política que inclua e respeite a diversidade. Tem uma travesti que trabalha comigo e é minha assessora direta desde 2001.
E como surgiu a discussão de fato?
A primeira situação foi discutir a questão do nome social no nosso local de trabalho. Ela tem um peso e eu vejo todo o problema ao longo do período histórico: o constrangimento, o preconceito, as piadas... Foi onde nós começamos a pensar que, para conseguirmos incluir as pessoas, elas têm que se sentir respeitadas. Poder usar o seu próprio nome e não passarem pelo constrangimento de serem chamadas oralmente na sala de aula por outro nome e serem estigmatizadas dentro do ambiente escolar. Essa foi a ideia.
Como a governadora do Pará, Ana Julia Carepa (PT-PA), recebeu essa proposta?
Ela deu muito apoio. Dentro do governo foi consenso. Todo o apoio que a secretaria precisou, ela recebeu. Diretores da secretaria de Educação, todos os secretários adjuntos, enfim, toda a equipe foi muito solidária no apoio a essa ação.
Vocês pensaram em levar para a Assembleia Legislativa do Pará?
Naquele momento nós decidimos o seguinte: se fizéssemos um projeto para ir à Assembleia teríamos um tempo e ele talvez até passasse. Mas teríamos um embate político e decidimos fazer diferente: vamos implantar e depois mandamos o projeto. Assim, a gente garante que as pessoas assumam esse direito. Agora a gente tem um outro caminho: queremos que os deputados encampem a portaria e a transformem em um projeto de lei. E agora nós temos sujeitos que voltaram às escolas e dirão "isso é um direito meu". Então não dá para retroceder.
A escola é um ambiente homofóbico?
Sim, a escola é um espaço extremamente homofóbico. Os nossos materiais didáticos, quando trazem as famílias, não abordam a diversidade e a orientação sexual que existem de fato. E isso precisa ser mudado. Eu costumo dizer assim: o mais fácil foi assinar a portaria, agora é garantir que as pessoas conheçam e procurem o respeito ao direito, que é garantido pela portaria. Dentro da escola, essa discussão precisa ser iniciada, e é urgente um debate que vise à reorientação curricular que dê conta da diversidade, da orientação sexual das pessoas, da etnia, da cultura. Que a escola seja múltipla e diversa como são os seus frequentadores, que são homossexuais, travestis, lésbicas, gays, que são índios e negros. Que a escola reflita isso. Ela não pode ter aquele material didático com conteúdo sexista.
Há alguma estratégia para acompanhar a aplicação da portaria?
A nossa matrícula é online e no formulário dela vem o nome, o registro e o campo do nome social, que é preenchido pelo responsável ou pelo educando. Então nós podemos visualizar onde essa pessoa se matriculou e colocou aquele dado e, partir daí, temos como controlar que o direito, que é o do nome social, será respeitado.
O corpo docente está preparado?
Não.
E como prepará-lo?
A partir de um debate. É aquela história de ganhar corações e mentes. Ou seja, convencer as pessoas e dizer a elas que é importante.
Como eles receberam?
Olha, eu esperava uma resistência muito maior, mas foi muito tranquilo. Acredito que a resistência deverá acontecer no dia a dia. Aí é muito importante os movimentos sociais monitorarem, subsidiarem, apoiarem as pessoas e levantarem essa questão para o debate.
A senhora acompanha a questão do PLC 122 - que criminaliza a homofobia no país?
Sim.
Acredita que ele será aprovado?
Eu espero que sim. A senadora Fátima Cleide (PT-RO) é uma política importante pra área da educação, para a luta contra a homofobia e para a garantia dos direitos sociais.
Antes do seu trabalho com a secretaria, a senhora já tinha experiência com o tema LGBT?
Só dos movimentos sociais e de debates, pois eu sou da Universidade e esta é um espaço propício e muito democrático no sentido de promover discussões e articulações.
Como você analisa os casos de homofobia na USP (Universidade São Paulo) e na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)? Nesta última houve até agressão física...
Isso é inadmissível, é uma barbárie. Mostra em certa medida o quanto a escola, e quanto o uso do termo escola como instituição de ensino está descolado da contemporaneidade. Se as instituições não repensarem qual é a escola que precisamos para construirmos um mundo de fato desenvolvido, vamos continuar no limite da barbárie.
A senadora Fátima Cleide disse que, quando abraçou o PLC 122, começou a ser perseguida e sofreu com preconceitos. E a senhora por ter bancado essa portaria, já está sofrendo com coisas do tipo?
Ainda não. Um colega brinca que eu não serei eleita para mais nada na minha vida. Eu não tenho pretensões de sair candidata, mas isso é uma verdade. É fundamental que a gente separe a fé e a religiosidade das pessoas, até porque todas as religiões pregam o respeito ao outro, o amor ao próximo, então esse tipo de postura (dos religiosos) não casa e não combina com a homofobia, com a perseguição, com o preconceito, com a discriminação com quem se pretende dizer um homem de fé. Na realidade essas instituições que se dizem religiosas, de fato não vivem o que apregoam.
Depois que o Pará baixou a portaria outros Estados começaram a debater e copiá-la. Achava que tal atitude geraria esta influência?
O governo do Distrito Federal, na pessoa do seu secretário da Educação, me procurou e pediu a cópia [da portaria] e eles estão debatendo. Eu não tinha ideia. Na realidade, no momento em que fiz (a portaria) nem sabia que éramos os primeiros. Imaginei que já tivesse em algum lugar.
Como é ter uma recepção como essa na abertura do Congresso? Ser aplaudida de pé por todos os presentes?
Eu fiquei muito emocionada e agradecida. Não me acho tão merecedora de todas essas homenagens, mas fico envaidecida de estar ajudando a diminuir o sofrimento, o preconceito de muitas pessoas.
Fonte: A Capa

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