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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Feminismo como corrente filosófica





La Luna de Espejos


feminismos

Posted: 18 Feb 2010 02:19 PM PST

por Tate em cotidiana

Levou um tempo para percebermos que nosso lugar era não a segurança de uma diferença em particular, mas a própria casa da diferença.
POR QUE FEMINISMO?

“Sermos mulheres juntas não era o suficiente.
Éramos diferentes.
Sermos lésbicas juntas não era suficiente. Éramos diferentes.
Sermos Negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes.
Sermos mulheres Negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes.
Sermos sapatões Negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes…
Levou um tempo para percebermos que nosso lugar era não a segurança de uma diferença em particular, mas a própria casa da diferença.”
(Audre Lorde, poetisa negra lesbo-feminista)

QUE FEMINISMO?

tem muitas maneiras de agir/pensar feminismos. como corrente filosófica, são várias escolas, epistemologias, hipóteses. como movimento social, há muitas formas de organização-ação-prática-pensamento-cotidiano-vivência-projetos. sendo que, pra gente, de onde agimos/pensamos como feministas negras lésbicas, não dá pra separar movimento (práticas) de pensamento (teorias).

“Acredito que os significados do ‘pessoal’ (como na minha história) não são estáticos, mas que mudam através da experiência, e com o conhecimento. Não estou falando do pessoal como “sentimentos imediatos expressos confessionalmente”, mas de algo que é profundamente histórico e coletivo – por ser determinado por nosso envolvimento em coletivos e comunidades e pelo engajamento político. Efetivamente, é essa compreensão da experiência e do pessoal que faz a teoria possível. Então, para mim, a teoria é um aprofundamento do político, e não um distanciamento dele: uma destilação da experiência, e uma intensificação do pessoal.” (Chandra Mohanty, feminista indiana)

de maneira simples, o feminismo é um projeto pra acabar com a dominação masculina sobre as mulheres (sexismo), não simplesmente invertendo a ordem desse poder, mas repensando até mesmo o que ele significa, por quais formas de opressão opera pra nos impedir de viver livremente (lesbofobia, racismo, gayfobia, especismo, capitalismo, travestifobia…) e como elas se articulam, pra nos oprimir de maneira mais forte – o que demanda, então, formas variadas e articuladas de resistência.

dentro dos movimentos feministas há muitas demandas, desejos, vontades, lutas (afinal, esses movimentos têm como protagonistas diversas mulheres, de lugares diferentes, línguas, vozes, cores, jeitos, formas de viver diferentes). no entanto, algumas dessas bandeiras de luta são importantes pra nossa atuação em comum. algumas delas:

- luta pelo fim do silenciamento e da submissão impostas às mulheres: combate à naturalização de uma passividade atribuída, dos papéis fixos de existência; luta pelo direito à auto-representação, ao protagonismo em nossas vidas …;

luta pelo fim da violência sexista/de gênero: violências física, sexual, simbólica, conjugal, doméstica, geracional, moral, psicológica;

- luta pela garantia da autonomia sexual e soberania reprodutiva: direito à livre expressão sexual e identidade de gênero; direito de escolher por uma interrupção voluntária de gravidez (aborto); a condições dignas, seguras e assistidas de levar uma gravidez desejada adiante; ao não-confinamento no papel de mães, esposas, filhas, cuidadoras; a viver livre de violência lesbofóbica…;

- combate à exploração capitalista: precarização do trabalho, exploração sexual de mulheres e crianças, fim do trabalho escravo, combate à pornografia;

- politizar a vida privada e tornar as lutas políticas parte do cotidiano: o vegetarianismo, por exemplo, não é só prática de saúde, mas vivemos isso como uma maneira de diminuir a exploração de pessoas não-humanas baseada em modelos de exploração sexistas.

as formas de expressão e organização também são muitas. podemos fazer músicas, escrever textos (verbais ou não-verbais: de desenhos a fotos a histórias a zines, como esse), fazer cartazes, manifestações, oficinas, grupos de conversa, grupos de intervenção… colocar nossas idéias pra jogo, deixar os sonhos fluírem, desmontar mundos que não nos cabem pra plantar mundos em que caibamos todas!

PORQUE FEMINISMO NÃO É O CONTRÁRIO DE MACHISMO.

algumas pessoas acusam mulheres feministas, ou aquelas que não se submetem à dominação masculina mesmo sem se falar ou se achar feministas, de querer “inverter as coisas”, e acham que feminismo é o oposto de machismo. machismo é um tipo de sexismo, que é um sistema ideológico (assim como o racismo, o capitalismo, o heterossexismo) que instaura grupos sexuais, criando hierarquia entre eles. grupos sexuais podem ser homens e mulheres hetero, bissexuais, gays, lésbicas, transexuais, travestis, trangêneros, intersexo – em ordem de distribuição de poder! como no racismo, o vetor do poder sexista vai do pólo masculinidade (branquitude) pro feminilidade (negritude). e como a dominação de pessoas não-brancas tem sido executada pelas brancas, o racismo é um sistema de hegemonia branca, como o sexismo é um sistema de hegemonia masculina e heterossexual. por isso é que pessoas negras não podem ser racistas com pessoas brancas, e mulheres não podem ser sexistas com homens (mas sim com elas mesmas ou outras, internalizando o sexismo).

por que no topo da hierarquia está o homem hetero, e na base uma travesti? porque as sociedades ocidentais tecnocratas se organizaram em prol de um modelo heterossexual de famílias nucleares patriarcais, em que a célula mínima da economia de relações e afetos é voltada para reprodução, monogamia, heterossexualidade. convém lembrar que essa economia conversa intimamente com uma moral cristã de acumulação de bens, o que explica seu sistema de valores e implica que quem estiver fora do molde de funcionalidade social, rompendo minimamente o modelo prévio de interação (“homem e mulher se apaixonam, casam, procriam, vivem juntxs até que a morte separe”), não serve socialmente.

criminalizar a homoafetividade e a livre expressão da identidade de gênero obedece ao heterossexismo, uma crença na heterossexualidade como orientação afetivo-sexual mais natural, correta ou normal em relação a outras, que portanto só podem ser desvios, doenças, pecado, erradas. no movimento lgbt – lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais – muito se fala em “sair do armário” (falar abertamente da orientação afetivo-sexual). só não podemos esquecer que a heterossexualidade também tem que sair do armário, e sai de forma violenta, repetitiva e naturalizada. por exemplo, qual é a primeira pergunta que se faz a uma grávida? “é menina ou menino?”, o que vai definir a cor das roupas, o tipo de brinquedos escolhidos, o comportamento esperado em relação àquela futura criança, ou seja, todo um conjunto de expectativas relacionadas à leitura cultural (gênero) feita sobre um dado biológico (genitália).

PORQUE FEMINISMO É PRA TODO MUNDO!

um homem pode ler isso aqui e se perguntar “ok, mas eu não sou mulher, o que tenho a ver com isso?”. primeiro, não podemos esquecer que vivemos comunitariamente. depois, é bom SEMPRE lembrar que os grandes beneficiados pelo sistema de privilégios que o sexismo estabelece são os homens. só que, apesar disso, eles também são prejudicados, já que a construção da masculinidade é um processo de violência não só dirigido às mulheres, mas que também violenta os homens, estabelecendo regras e obrigações que, quando não são violentas em si (“segura o choro que homem não chora!”), precisam ser aplicadas violentamente (“homem não usa brinco e nem usa cabelo grande”).

o foco imediato da ação feminista, contudo, é o protagonismo das mulheres. Chandra Mohanty a define como “integridade pessoal, práticas cotidianamente políticas e pessoais, e a luta por justiça, eqüidade e autonomia das mulheres”. e se um dos grandes entraves a nossa autonomia é a violência sexista, geralmente exercida por homens, então há um movimento duplo: 1º o de empoderar as mulheres, pra que sejamos sujeitas de nossas próprias vidas; 2º construir um espaço de solidariedade masculina a nossa luta. o segundo passo demanda que os homens analisem suas práticas e valores, e estejam dispostos a abrir mão de muitos dos benefícios que recebem por serem homens, e que às vezes nem percebem como privilégio. por exemplo, em coletivos mistos, é comum os homens responderem, às queixas das mulheres de que eles falam mais, que nós é que precisamos nos impor, e falar mais alto – e que a voz deles é “naturalmente” mais alta que a nossa.

quanto à violência física e sexual, enquanto os homens não pararem de nos enxergar como algo a ser possuído e objetificado, enquanto associarem seu prazer e gozo à subjugação do nosso prazer e do nosso gozo, vamos estar sujeitas às violações, estupros, insistências… e apesar de ser muito importante e primordial o auto-reconhecimento de nossa soberania (somos donas de nosso próprio corpo e gozo), esse entendimento vai ser questionado, ameaçado e violado enquanto houver homens que não nos respeitem. apesar de haver muitos feminismos separatistas (lesbianos ou não), algumas feministas (lésbicas ou não) apostam num projeto político feminista pras pessoas não-mulheres também.


montamos esse material pra compartilhar com vocês algumas idéias que movem nosso coração. se quiser compartilhar o que te move, escreva pra gente! corpuscrisis@gmail.com http://confabulando.naxanta.org

diária querida,

esse textinho foi elaborado pela primeira vez em 2008, e agora recebeu uma guaribada. agradeço à lice e ludmila gaudad pelas sugestões, colaborações e parceria, à poli preta pela paciência de fazer os testes de formatação e pelo incentivo, elogios, e o doce presente de aniversário. esse textinho é uma tentativa de colocar em termos utilizáveis por muitas pessoas diferentes o que temos conversado, discutido, pensado e produzido em termos de vida, academia, experiências, trocas… espero que muitas mulheres se apropriem, e que muitos homens prestem atenção.

a versão mais bonita dele tá num zine que pode ser baixado aqui

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