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quarta-feira, 3 de março de 2010

Transformar o PT em alternativa de governo e alternativa de poder. Diz Valter Pomar



Brasil de Fato – Qual é a principal contribuição do PT para a sociedade brasileira nesses 30 anos?

Valter Pomar – Com o PT, a esquerda brasileira se transformou, pela primeira vez em toda a nossa história, em alternativa de governo e pólo de um dos dois campos político-sociais existentes em nossa sociedade. Claro que isso não foi obra apenas do PT, mas o PT é a expressão principal deste fenômeno. Por outro lado, o desafio é duplo: transformar o PT de alternativa de governo em alternativa de poder; e transformar o campo político-social que dirigimos de democrático-progressista em democrático-popular e socialista.



O senhor participou da fundação do PT? Se sim, em 1980, o senhor acreditava que o partido tornaria-se o mais importante do país em 30 anos?

Eu não participei da fundação do PT. Em 1980, eu era secundarista e militava no Partido Comunista do Brasil (PCdoB), mais exatamente na “esquerda do PCdoB”. Me aproximei do Partido dos Trabalhadores por vários motivos, entre os quais a impressão de que o PT era uma crítica prática à política de aliança estratégica com a burguesia, hegemônica até então no movimento socialista e comunista brasileiro. Minha primeira atividade como petista foi em 1982, nas campanhas daquele ano, mas só me filiei em 1985. Naquela época e naquela idade, é claro que eu achava que o PT ia ser importante. Obviamente, os caminhos efetivamente percorridos não são os que imaginava.







Nos anos 1980, o PT tinha boa representatividade em setores médios, mas pouca simpatia nas classes mais pobres. O quadro se inverteu. O que ocorreu?

Na época, como hoje, a análise das classes sociais não era o forte dos petistas. Expressões como “setores médios”, “classes mais pobres” e “classes mais baixas” apenas revelam que não entendemos direito a estrutura de classes existente no Brasil. Na minha opinião, o PT reúne, desde a origem, frações de três classes sociais distintas: os assalariados, o campesinato e a pequena burguesia. Isso não mudou. O que mudou foi a extensão do apoio recebido pelo PT, a influência dessas três classes no partido e a relação dessas três classes e suas diferentes frações com as diferentes classes e frações de classe que são dominantes.

O PT não tem o apoio de 100% da sociedade brasileira, nem de 100% de nenhuma classe social. Seu apoio é proporcionalmente mais forte nos assalariados e a rejeição é proporcionalmente mais intensa entre os capitalistas, latifundiários antigos e nas faixas superiores dos assalariados e da pequena burguesia.


O lulismo pode ser um fator de preocupação para a vida do partido no próximo período?

Eu não consigo entender por qual motivo alguns intelectuais ficam tão intrigados com o lulismo. É óbvio que algumas frações da pequena burguesia, do campesinato e dos assalariados tendem a construir vínculos fortes com lideranças individuais e não com organizações coletivas. A novidade não é o lulismo, a novidade é que o lulismo tenha sido tornado possível graças ao petismo e que o petismo siga forte e lutando por converter cada lulista num petista. O que significa organizar a sociedade, os sindicatos, os movimentos sociais, os partidos de esquerda, a participação popular e o controle social sobre o Estado, os meios de comunicação etc.



A candidatura Dilma Rousseff, quadro formado em outro partido, é consequência do lulismo? O senhor concorda com a tese de Tarso Genro, de que “o vazio deixado pelo mensalão” ocasionou a indicação de Dilma à presidência?

Ter sido “formado em outro partido” não é demérito. Demérito é, formado ou não em outro partido, ter capitulado às posições liberais, social-liberais, neoliberais, anti-socialistas e anti-comunistas. Isso sim é demérito. Por outro lado, a Dilma é a candidata do PT principalmente porque ela foi a segunda principal protagonista da virada à esquerda que ocorreu, no PT, no governo e no país, depois da crise de 2005. Quando a Dilma defende o crescimento com redução da desigualdade, o papel estratégico de um Estado forte, a soberania nacional, a democracia, ela está defendendo o que acredita e aquilo que está na ordem do dia.



Quais são os fatores que indicam essa virada à esquerda do país e do governo após 2005? A tendência de um eventual governo Dilma é aprofundar essa guinada?

Eu considero que existiram dois governos. O primeiro durou de 2003 até a crise de 2005. O segundo começou após a crise de 2005 e vem até agora. O primeiro governo foi pautado pela Carta aos Brasileiros. O segundo está se aproximando do programa aprovado pelo PT em dezembro de 2001, em encontro realizado no Recife. A excessiva moderação do primeiro mandato gerou desgastes junto a setores da base eleitoral e social, bem como junto a militantes. Os efeitos disso ficaram visíveis na derrota que sofremos na eleição de 2004. Logo depois veio a eleição [para a presidência da Câmara] de Severino [Cavalcanti] e a crise de 2005.



A burguesia viu nisso a chance de abreviar o governo Lula e “acabar com a raça” do PT. Ou seja: a burguesia, a direita e a oposição radicalizaram. O efeito foi “esquerdizar” o partido. Ou, para ser mais preciso, trazê-lo da Carta aos Brasileiros para o programa do XI Encontro. Isso ficou visível no resultado do PED [Processo de Eleições Diretas] de 2005: no primeiro turno, a “oposição interna” venceu. Perdemos no segundo turno devido à estreiteza política do Plínio [Arruda Sampaio] e seus liderados, que saíram do partido, contribuindo para nossa derrota por apenas 5 mil votos (em 240 mil) no segundo turno.


Não foi só o partido que despertou do torpor. Lula e o governo também. O primeiro passo foi a substituição de Dirceu-Palloci por Dilma-Mantega, que teve como resultado o enterro nada solene da proposta de “déficit zero”. O segundo passo foi a eleição presidencial de 2006, ganha no segundo turno com um discurso de esquerda, não de conciliação. O terceiro passo foi o PAC. A crise de 2008 confirmou o acerto deste “giro à esquerda”. Nossa vitória em 2010 redesenhará os termos do debate. De 2003 a 2010, o debate foi entre o PT e os neoliberais. E, dentro do PT, entre os desenvolvimentistas versus os social-liberais. A chamada esquerda do PT se alia com os desenvolvimentistas, contra os social-liberais. Pouco a pouco, o debate começa a ser: desenvolvimentistas “conservadores” (ou seja, que não tocam no tema das reformas estruturais) e desenvolvimentistas “democrático-populares” (que querem combinar desenvolvimento com democracia, igualdade e soberania).


As diretrizes de programa aprovadas no IV Congresso estão mais parecidas com o que o PT aprovou no XI Encontro, no Recife. Não é uma “guinada à esquerda”. Seria, se o centro do programa fossem reformas estruturais. O programa é de aprofundamento de políticas sociais, de políticas públicas, de democratização, soberania nacional e integração continental. Nesse sentido, a crise internacional de 2008 teve um papel pedagógico. Ela lembrou que não apenas o neoliberalismo, mas também o capitalismo, é uma criação social. Funciona mal. Periodicamente, gera crises. E tanto para funcionar quanto para escapar das crises, depende da política, do Estado, da correlação de forças. Sendo assim, outra vontade política, outra correlação de forças, outra orientação estatal, podem viabilizar outra forma de organização social. O socialismo está de volta ao debate.

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