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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mãe surrava filha e a abandonou aos 13 anos, depois tenta processar essa filha

Autobiografia fala de uma história sem amor e sem carinho

Aos 11 anos, a inglesa Constance Briscoe procurou o Serviço Social, sozinha, e suplicou por ajuda para sair de casa. Ela não aguentava mais apanhar todos os dias da mãe, ficar longos períodos sem comer, ser humilhada e xingada constantemente.

Depois de receber um "não" dos funcionários, que não podiam registrar as reclamações da garota sem a autorização de parentes, ela decidiu se matar: bebeu alvejante com água. "Escolhi a marca Domestos porque ela mata todos os germes conhecidos e a minha mãe vivia dizendo que eu era um germe." Mas Constance não morreu.


Na autobiografia "Feia: A História Real de uma Infância sem Amor" (Bertrand Brasil, 2009), que chegou ao primeiro lugar nas principais listas britânicas de mais vendidos, a autora deixa o leitor atordoado com as descrições das surras e da total falta de amor de sua mãe. "Ela me dava tapas no rosto quando eu fazia bagunça e me beliscava no peito quando eu estava perto o bastante dela", diz um trecho do livro, que antecede um desabafo: "Eu nunca soube por que a minha mãe queria filhos. Nem uma só vez eu pensei que ela gostasse de mim ou dos meus irmãos e irmãs."

Essa violência física e emocional dentro de casa fez com que Constance desenvolvesse caroços nos seios --uma situação médica rara para uma criança-- e perdesse os cabelos. Aos 13 anos, foi abandonada em casa, sem gás, luz e comida, e chegou a trabalhar em três lugares diferentes para conseguir se manter viva (a mãe também cobrava "aluguel" pela permanência da filha no local).

Além de viver em meio a socos e gritos de "imbecil de merda" e "vagabunda safada", ela também cresceu ouvindo insultos em relação a sua aparência:

"- Jesus amado, eu que pus isso no mundo? - Ela olhava para a fotografia e para mim. - Deus meu, meu bom Deus, como é que ela pode ser tão feia? Feia. Feia. Se eu não tivesse posto ela no mundo, jurava que ela era de mentira. Jesus, amor e gratidão, por que me deste este leitão? Olha esse nariz. Onde que você arranjou esse nariz? De mim que não foi - disse a minha mãe, respondendo à sua própria pergunta. - Se eu tivesse um nariz assim, cortava metade fora e guardava o resto."

Mas, apesar de ser angustiante e perturbador, o relato comovente de Constance Briscoe serve para ressaltar, também, sua capacidade de superação. Mesmo com todas as dificuldades, que pareciam insuperáveis, ela seguiu seu sonho, sozinha, e passou na universidade. Atualmente, Constance trabalha como advogada e, em 1996, tornou-se juíza.

Abaixo, leia um trecho que retrata a agonia da garota em não conseguir parar de fazer xixi na cama, e a consequente violência da mãe em tentar evitar o "problema".


O modo como ela tratava as minhas irmãs era certamente muito diferente de como me tratava. Elas não ouviam as palavras grosseiras que eu ouvia, não ganhavam beliscões nos mamilos e não eram surradas ou socadas. Elas ganhavam vestidos novos, e eu só ficava com as sobras: vestidos de terceira mão que vinham de Pauline e Patsy. A minha mãe tinha pilhas e pilhas de vestidos velhos, entulhados em sacos plásticos, prontos a serem repassados para mim. Eu nunca era a primeira a abrir os sacos e provar um vestido.


A minha mãe jogava um vestido para mim e dizia: - Olha, Clear, prova esse e vê se serve. - Nunca servia, mas eu acabaria crescendo. A minha mãe tinha muitos vestidos bonitos só para ela - vestidos com estampas coloridas, particularmente rosa. Ela tinha vestidos belíssimos para todo tipo de ocasião. Eu me lembro de me esconder no guarda-roupa dela e observá-la trocando o cardigã que ela normalmente usava em casa pelo vestido rosa pálido que era o seu favorito. Eu também queria vestidos bonitos, mas era feia demais para usar qualquer coisa que não fossem as sobras das minhas irmãs.

Durante um certo período, a forma como a minha mãe me tratava me deixou muito nervosa. Eu fazia xixi na cama desde que me conhecia por gente. Isso enfurecia a minha mãe e era a causa da maioria das surras que eu levava. Quando tinha uns cinco anos, eu fui levada, por indicação do médico da família, a um especialista em enurese noturna. Eu fui a montes, montes de consultas com a minha mãe para descobrir a causa do problema. Lembro que eu tinha uma camisola muito boa de algodão escovado que ia até os tornozelos. Quando ia dormir, me enroscava inteira e puxava as pernas para o peito. Ao mesmo tempo, enfiava a camisola embaixo dos tornozelos.

Sempre dormia de lado. Uma noite, acordei em um breu absoluto e me senti como se estivesse me afogando. Eu estava empapada de debaixo do pescoço até os tornozelos. O meu travesseiro e o meu cobertor também estavam encharcados. Eu tivera um tremendo incidente duplo durante a noite. Fora o começo de tudo. Por causa desse meu problema, às vezes era castigada e ia dormir em uma cama só com o colchão - sem lençóis, só uma cobertura plástica - porque a minha mãe dizia que eu ia mesmo molhar a cama, então não fazia diferença. Ela ganhou diversos livros sobre enurese e treinamento para a bexiga. Com cinco anos de idade, ganhei o meu primeiro sistema de alarme. Era, aparentemente, uma forma de tratamento extremamente bem-sucedida. Vinha com uma campainha especialmente projetada para crianças, que era posta ao lado da cama, junto com um sensor no formato de esteira, que ficava sob o lençol de baixo. A campainha tocava quando eu tinha um incidente; supostamente ela deveria me fazer despertar ou "segurar" a urina. Gradualmente, eu deveria aprender a acordar e/ou me "segurar" com a sensação da bexiga cheia, sem o alarme.

O alarme "para crianças" soava como um carro de bombeiro a caminho de um chamado de emergência. Na primeira vez que ele disparou, saltei da cama e corri para debaixo dela. Estava aterrorizada com a ideia de que a minha cama estivesse em chamas. A minha mãe entrou correndo no quarto e percebeu que eu não estava lá. Ela pensou que eu tivesse corrido para o banheiro. Quem dera. Ela desligou a campainha, puxou o lençol de cima, separando-o do de baixo, e voltou para o quarto dela. Eu saí de debaixo da cama, vagamente consciente de onde estava. Mesmo quando pequena, eu tinha certeza de que o meu problema com a enurese não se devia à preguiça. O médico disse que a causa podia provir das angústias da minha vida. Ele disse que, com este alarme, eu estaria curada dentro de quatro a seis meses. Mas o meu problema foi ficando cada vez pior e a minha mãe me levou a vários especialistas. Recebi um aparato de alarme de primeira qualidade, com uma campainha sonora com dois tons e luzes que piscavam, que supostamente me ajudariam ao me alertar antes de a cama ficar molhada demais. Na maioria das vezes eu passava por tudo isso sem acordar. Nada que a minha mãe fazia ajudava.

No começo eu dormia com a roupa de cama e uma camisola velha da minha irmã Pauline, mas, quando o problema se agravou mesmo, a minha mãe insistiu para que eu dormisse sem qualquer peça de roupa. E era assim que, na maioria das noites, eu dormia, só de calcinha. O meu problema com o xixi na cama continuou e, portanto, a minha mãe acabou adotando uma nova política: ela começou a vir ao meu quarto logo antes da hora de dormir para me dar uma surra, para me lembrar do que iria acontecer se eu molhasse a cama. Ela esperava até eu estar na cama e aí entrava, arrancava o cobertor, agarrava-me pela barra da calcinha e me tirava da cama. Segurando a gola da minha camisola para evitar que eu fugisse, ela tirava um pé de sapato e me surrava com ele.

- O que é que você vai fazer? - ela perguntava.
- Eu não vou molhar a cama.
- Mentirosa! O que é que você vai fazer?
- Eu vou molhar a cama - eu dizia.
- Isso, bem que eu achava mesmo. Viu? Você é uma mentirosa mesmo!

Ela estapeava a minha cabeça com o sapato e socava o meu peito. E quando eu dizia "Não", ela voltava a me acusar de ser uma mentirosa e me estapeava de novo do lado da cabeça. Ela ficava repetindo a pergunta; eu repetia a resposta e ela batia na minha coxa, nas minhas panturrilhas ou na mão. Eu sempre tentava me proteger estendendo a mão, mas doía mais apanhar na mão que na coxa.As minhas pernas estavam parcialmente protegidas pela camisola e às vezes eu puxava os joelhos e ficava como uma bola. Depois de algumas dessas surras, minha mãe saía com a minha camisola nas mãos, depois de ter arrancado a roupa do meu corpo.

Em outras ocasiões, ela saía com o meu cobertor. Se ela estivesse realmente de mau humor ou se eu a tivesse irritado, ela levava as duas coisas. Minhas irmãs sabiam que se me ajudassem ou se me emprestassem uma camisola também levariam uma surra e então, na maior parte das vezes, elas se faziam de mortas.

Quando completei sete anos, minhas surras ficaram ainda mais regulares. O alarme não conseguia me acordar, mas sempre acordava a minha mãe. Ela entrava no meu quarto como um foguete quando o ouvia tocar e me arrancava da cama. Às vezes, quando ela entrava no meu quarto, tirava a roupa de cama molhada, me dava um tapa vigoroso na bunda desprotegida e depois me deixava nua e tremendo.A minha humilhação era completa. Eu não só era incapaz de evitar molhar a cama como a mera presença da minha mãe e/ou de uma surra na hora de dormir me deixavam tão nervosa que eu às vezes esvaziava a bexiga na frente dela, o que era visto como um ato de provocação. Em outras vezes, eu me forçava a ficar acordada, mas aí, assim que caía no sono, por pura exaustão, não ouvia o alarme e, então, o ciclo continuava.


fonte:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u668043.shtml
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