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domingo, 18 de agosto de 2013

A voz dos filhos LGBT



A TARDE publica a 4ª edição da Série "Filhos do Preconceito", que aborda casos de crianças e jovens que, por questões familiares, são obrigados a conviver com o preconceito social. O tema deste domingo trata dos filhos da comunidade LGBT.



Francisco* acaba de completar nove meses no ventre de sua mãe e está prestes a nascer. Ao contrário de muitos outros garotos, ele nascerá em um lar com duas mães, ambas de primeira viagem e, naturalmente, ansiosas com a sua chegada.
Ansiosas e também preocupadas. Não apenas por medo de colocar um filho em um mundo que está cada dia mais violento, mas também por receio de que ele se envolva com drogas durante a adolescência, preocupações comuns a qualquer família.


A administradora de empresas Mara Tavares* e a contadora Sandra Gomes* - que optaram pelo método de inseminação artificial, sendo Sandra a genitora - têm uma preocupação adicional: como criar um filho de um casal homossexual em um País preconceituoso como o Brasil?


É aqui que existe o maior número de assassinatos de homossexuais no mundo, com 44% dos casos.
Levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) - mais antiga organização de defesa de homossexuais do País, fundada em 1980 - mostra que, somente em 2012, foram assassinados 338 integrantes brasileiros do chamado grupo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais).
O dado representa um crescimento de 27% no número de homicídios na comparação com 2011, ano em que foram registrados 266 casos. Desde 2005, houve um aumento de 317%.


"A realidade é muito maior que a estimativa, já que há muita subnotificação", diz o presidente do GGB, Marcelo Cerqueira.
Preocupação
"Fico apreensiva ao imaginar como será para Francisco lidar com o fato de ter duas mães, com o preconceito na escola e em situações como a festa de comemoração do Dia dos Pais, por exemplo", diz Mara, 43 anos.
Se Francisco for como Lia*, de 8 anos, isso não será um problema. Não à toa, quando questionada sobre como foi saber que sua mãe, Andrea Miguez*, 34, namorava uma mulher, ela respondeu: "Achei normal. Sempre gostei da tia Lola*".


Tia Lola, que faleceu no início do mês passado em decorrência de um câncer, era a ex-companheira de Andrea, com quem conviveu durante seis anos.
Foi a própria Lia - fruto de uma relação anterior de Andrea com um homem - quem perguntou para a mãe, aos 4 anos de idade, se a tia Lola era sua namorada.


"Respondi que sim e em momento algum ela reagiu negativamente. Sempre foi algo muito natural para ela", conta Andrea.
Tão natural que a relação homossexual nunca foi mantida em segredo. "Os professores da escola em que ela estuda sabiam e o pai dela também. Minha ex-companheira me acompanhava nas reuniões de pais e festas. Nunca levantamos bandeira, mas nunca escondemos".
Lia conta que nunca comentou com nenhum dos colegas da escola sobre a namorada da mãe. "Por que eu falaria? É a vida delas".

A garota não tem nenhum episódio de preconceito em seu histórico por conta disso. Mas, se algum dia acontecer, garante que já sabe como se defender. "Vou ignorar. Ninguém tem nada com isso", afirma, de forma segura.


Brigas
Hoje com 16 anos, Caio Ribeiro* diz que gostaria de ter tido esta atitude quando, ainda garoto, os colegas da sua rua diziam que seu pai era "viadinho".
"Ficava com muita raiva deles e mais ainda do meu pai. Era difícil acreditar que aquela pessoa que sempre foi a minha referência masculina tinha se tornado homossexual", afirma.
Segundo o pai de Caio, as brigas eram constantes. "Volta e meia ele aparecia em casa machucado, porque tinha brigado com os meninos. Imagine o que é para uma criança saber que seu pai é gay porque a sociedade nos faz acreditar que este tipo de relação é uma coisa anormal?", pontua.
A verdade, segundo os especialistas, é que não há fórmulas para lidar com o 
preconceito.

"Creio que a melhor forma de ajudar as crianças a lidarem com essa questão é através da informação e do suporte a elas para enfrentarem as situações. A não omissão da verdade e a busca de ambientes, como escolas, que estejam em consonância com os valores da família são fundamentais", diz o psicólogo Adriano Cysneiros.
Citada no início desta matéria, a mãe de Francisco, Sandra Gomes, concorda e acredita que todos passam por algum tipo de preconceito na infância.
"Eu sofri porque sou negra, meu filho pode vir a sofrer porque terá duas mães. O mais importante é orientá-lo e mostrar que nossos valores são outros".



 

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